16 Convívio das Gentes de Caçarelhos Residentes na zona da Grande Lisboa










ENTRUDO

Numa recente deslocação a acompanhar o meu filho a Podence "Macedo de Cavaleiros" tive a honra e o previlégio de reviver com muita saudade aquele ritual que antigamente era bem querido pela mocidade de Caçarelhos. Assim, vou partilhar com os conterrâneos e todos quantos visitarem este blog momentos que estou certo irão gostar, recordando com saudade
O ENTRUDO
Entre o fim do Inverno e princípio da Primavera que aconteciam os rituais próprios do Carnaval. Rituais que ainda hoje tem grande implantação por todo o Planalto Mirandés, transportando através dos tempos, festas relacionadas com a Natureza e celebradas em honra do deus dos pastores e rebanhos. Rituais que são considerados por muitos como expurga-tórios dos demónios através do fogo, queimando em público tudo o que é velho, ligando os mascarados que nesses dias fazem judiarias a tudo e todos quantos se lhe atravessem no caminho, cometendo todos os excessos, daí a expressão popular ”é Carnaval, ninguém leva a mal”. Em terras do Planalto Mirandés, onde Caçarelhos está inserido , outrora havia dois ciclos festivos de grande significado para a mocidade (dia de Reis e Carnaval, conhecidas como festas solstíciais). Esta dava azo aos casamentos de Carnaval, e bem lá no alto da povoação, frente à igreja, de almude na mão a servir de megafone destorcendo a voz para não ser identificado, os moços mais entendidos neste ritual, faziam, daqueles namoricos escondidos de tudo e todos, ao bater da meia-noite começava então a festa de escárnio e mal dizer, turreavam-se os casamentos, noivos, dotes e padrinhos, explorando sempre pontos sensíveis das pessoas visadas, achincalhando-as com a atribuição aos respectivos noivo e noiva, padrinhos e dotes ridicularizando-os.
Esta era uma acção com características satíricas que era aproveitada nesta ocasião proporcionando a crítica e ridicularização de tudo e todos e tudo era consentido e ninguém levava a mal.
ERA ASSIM QUE A “TURREAR” SE COMEÇAVA O RITUAL DOS CASAMENTOS DE CARNAVAL
1.ª Voz - Palhas, alhas leva-as o vento!
Coro - Oh, oh, oh…
1.ª Voz – Aqui se vai formar e ordenar um casamento!
Coro - Oh, oh, oh…
1.ª Voz - E quem é que nós vamos casar?
Coro – Tu o dirás!
1.ª Voz - Há-de ser, há-de ser, a Ana ………………………….., que mora na capela!
Coro - Oh, oh, oh…
1.ª Voz - E quem é que nós havemos dar para marido?
Coro – Tu o dirás!
1.ª Voz - Há-de ser, há-de ser, o Francisco …………………., que mora na fontázia!
Coro - Oh, oh, oh…
1.ª Voz - E que nós havemos de dar de dote a ela?
Coro – Tu o dirás!
1.ª Voz - Há-de ser, há-de ser, o tear, porque ela é uma boa tecedeira!
Coro - Oh, oh, oh…
1.ª Voz - E que mais havemos de dar de dote a ele?
Coro – Tu o dirás!
1.ª Voz - Há-de ser! Há-de ser! O lameiro de Bidoledo para que não saia um de cima do outro enquanto for Inverno!
Coro - Oh, oh, oh…
Estes eram momentos considerados de escape, em que publicamente tudo e a todos era dito, sem que resultasse qualquer sanção pelas palavras, gestos ou atitudes proferidas. Pena é que este ritual tenha caído, perdendo-se uma tradição de gerações.



CAÇARELHOS TERRA DE TRADIÇÕES

Tradições da Mocidade “Juventude” de Caçarelhos
Era uma obrigação dos moços recém-casados para com os rapazes solteiros da aldeia, e era pago, sensivelmente, entre os 15 e 30 dias após o casamento, nele apenas podiam participar os maiores de 20 anos, de chapéu, casaco e colarinho apertado, salvo quando o Sr. Juiz, excepcionalmente, decidisse em contrário.
Dos actos e da disciplina e da disciplina do Paga-Vinho

O Paga-Vinho era presidido pelo “Juiz” da mocidade (eleito para presidir aos destinos da Mocidade “Juventude” pelo período de um ano) a quem competia dirigir os trabalhos do acto, e zelar pela disciplina e comportamento rigoroso dos participantes
1.O Sr. Juiz era assessorado por um Secretário e um Tesoureiro, (eleitos nos mesmos termos do número anterior), bem como por dois “escabeciantes”, competindo a estes a distribuição do vinho e dos cigarros.
2.A fim de dar início ao Paga–Vinho, e para que os participantes se pudessem preparar cuidadosamente, o Sr. Juiz batia as palmas por três vezes, com intervalos de cerca de um minuto.
3.À terceira e última série de palmas, todos os participantes no acto formavam em círculo à volta da “caixa”, do “bombo”, do vinho, do tabaco e do noivo, e deveriam ficar em posição de sentido, de chapéu na cabeça, casaco e colarinho devidamente apertados.
4.Depois do córrio “circulo” formado, apenas podiam entrar nele quem fosse autorizado pelo Juiz, a quem havia que pedir sempre autorização, nos termos seguintes: -- Dá-me licença Sr. Juiz que entre no córrio?.
5.Ao centro do referido córrio ficavam o Sr. Juiz, ladeado pelos Secretário e Tesoureiro, e dali dirigia os trabalhos. Os participantes apenas se podiam dirigir ao Juiz em caso de justificada necessidade, usando sempre o mais rigoroso respeito e obediência proferindo: -- Dá-me licença Sr. Juiz?
6.O Sr. Juiz nomeava então dois “escabeciantes”, de entre os participantes no acto, a quem incumbia a distribuição do vinho e dos cigarros.
7.De seguida, o Sr. Juiz percorria o córreo pela parte de dentro e nomeava (segredando-lhe ao ouvido) as três espias, a quem incumbia a observação do comportamento dos participantes, para efeitos de aplicação e pagamento de multas aos prevaricadores, as quais constituíam receitas para a Mocidade.
8.O montante das multas, era ditado pelo Sr. Juiz no início da sessão, depois de deliberar com o Secretário e o Tesoureiro.
9.O Sr. Juiz, ordenava aos “escabeciantes”, já munidos de uma caneca e um copo, para dar início à distribuição do vinho.
10.Antes de darem início à distribuição, os “escabeciantes”, pediam licença ao Sr. Juiz, nos termos seguintes: -- Dá licença Sr. Juiz que dê início à distribuição do vinho?
11.Nesta primeira distribuição, os participantes não podiam beber, mas apenas tocar com os lábios no copo; para o efeito, tiravam o chapéu deslocando-o até ao joelho e, antes de tocar nos lábios com o copo, davam a saudação dos noivos, nos termos seguintes: -- “À saúde do noivo e da noiva e da mais comunidade toda!”
12.Todos os procedimentos eram repetidos e aplicados à distribuição dos cigarros.
13.Findas estas duas rodadas, o Sr. Juiz interpelava os “espias” para denunciarem as infracções que tivessem presenciado. A cada infracção caberia uma multa, que devia ser paga de imediato.
14.A seguir o Sr. Juiz mandava destroçar o “córrio” para intervalo.
15. Volvidos cerca de dez minutos repetiam-se todos os procedimentos anteriores, sendo que, agora, na rodada do vinho, os participantes já podiam beber.
16.Findo o acto, o Sr. Juiz mandava destroçar, sendo que de tudo seria lavrada uma acta no Livro da Mocidade.
NB: A Administração deste Blog agradece a cedência de direitos de autor deste documento a César Augusto Magalhães João (Ex-Juiz da Mocidade de Caçarelhos).
E para que conste na história de Caçarelhos e perdure para as gerações vindouras faço esta publicação. José Ventura.